Na corrida pelos transportes eficientes e sustentáveis, a mobilidade elétrica continua a crescer, à medida que os motores a combustão vão perdendo posições. E os carros movidos a hidrogénio? O futuro também é deles.
Os carros elétricos são a grande aposta da maioria dos fabricantes nas próximas décadas, para reduzir a necessidade de combustíveis e dar mais um passo na transição energética e, consequentemente, reduzir cada vez mais a nossa pegada carbónica no planeta. Mas a evolução da mobilidade não termina nas soluções elétricas já conhecidas. A grande novidade - e cada vez mais falada - é o hidrogénio.
Tal como aconteceu com o advento dos veículos a GPL e a desconstrução de alguns mitos relativamente aos carros elétricos, ainda existem alguns receios quando se fala de carros movidos a hidrogénio em Portugal, além de um desconhecimento quanto a esta nova forma de mobilidade. No entanto, esta pode vir a tornar-se fundamental para os transportes em geral.
Como funcionam os carros a hidrogénio?
Sendo veículos elétricos, os motores que movimentam estes carros são alimentados a eletricidade, tal como nos BEV (veículos elétricos a baterias). Em suma, o que distingue os dois tipos de automóveis é a forma como essa energia é produzida e chega ao motor.
Enquanto nos carros elétricos convencionais a eletricidade vem da ligação à rede e é armazenada nas baterias (normalmente de lítio) para ser usada pelo motor durante a condução, nos carros FCEV (tecnologia Fuel Cell Electric Vehicle) a energia é produzida internamente quando o carro está em movimento, em células de combustível, com recurso a hidrogénio.
O gás está armazenado num tanque, quase como num depósito de combustível, o que permite também abastecer um veículo a hidrogénio tão rapidamente como num carro a gasóleo ou gasolina. Depois, o hidrogénio passa do depósito para as células de combustível, onde através de uma reação química se divide em eletrões - que criam a corrente elétrica para alimentar o motor - e protões, que se juntam a oxigénio e geram vapor de água.
Que veículos a hidrogénio existem?
Vários fabricantes têm trabalhado em automóveis a hidrogénio ao longo das décadas - o primeiro foi o furgão Chevrolet Eletrovan, em 1966 - e outros não afastam esse cenário, mesmo que estejam publicamente mais interessados nos elétricos a baterias. Há algumas marcas que continuam fortemente envolvidas em ambas as tecnologias e têm já disponíveis automóveis a hidrogénio, principalmente a Toyota com o Mirai, a Hyundai com o Nexo e recentemente a Honda com o CRV e:FCEV.
A Toyota oficializou ainda uma parceria com a BMW, outra marca que tem feito testes de veículos a hidrogénio, e ambas pretendem lançar mais modelos de raíz nos próximos anos, cruzando tecnologias de forma a reduzir os custos de desenvolvimento. Outra marca que se prepara para lançar um veículo a hidrogénio é a Renault, com o Master H2-Tech. No geral, depois de alguns anos em suspenso, parece que os carros movidos a hidrogénio vão começar a surgir em grande número.
Por que ainda não há mais carros a hidrogénio?
Tal como aconteceu com os carros elétricos a baterias, o desenvolvimento dos veículos a hidrogénio depende muito da disponibilidade e do incentivo tanto de fabricantes, como de governos e instituições públicas internacionais.
Se os BEV enfrentaram durante anos a resistência de uma parte da sociedade e dos negócios, os veículos a hidrogénio também demoram a convencer os mesmos sectores. Há ainda pouca oferta e a preços elevados.
Adicionalmente, ao contrário dos carros elétricos que podem ser carregados através de postos com ligações à rede elétrica, o abastecimento do hidrogénio ainda não está desenvolvido em muitos países. Existem 1.000 postos de abastecimento em todo o mundo, apenas 1 um aberto ao público em Portugal.
Outro entrave é o próprio combustível: o hidrogénio. Este gás é o elemento mais comum do universo, mas não pode ser extraído e a maior parte da sua produção origina elevadas emissões de carbono. O hidrogénio é habitualmente classificado por cores, sendo que apenas o verde garante neutralidade carbónica, em contraste com o cinzento ou o azul.
Ainda assim, este ano deu-se uma mudança que pode levar ao desenvolvimento da distribuição de hidrogénio, com a publicação a Portaria n.º 115/2024/1, de 25 de março, que abre a possibilidade aos postos de combustíveis pedirem uma licença para vender hidrogénio, gás natural e biometano - essencial para a expansão dos carros a hidrogénio em Portugal.
Que tipos de Hidrogénio existem?
Tal como indicado anteriormente, o hidrogénio pode ser classificado consoante a cor - cinzento, azul ou verde. Explicamos em maior detalhe as principais diferenças entre os três.
Hidrogénio Cinzento
É o mais barato, muito usado na indústria, mas pela elevada poluição causada não poderia ser aplicado à mobilidade elétrica, que promove a circulação livre de emissões poluentes.
Hidrogénio Azul
Na sua produção, à base de carvão ou gás natural, a maior parte das emissões de carbono são capturadas, mas as perdas para a atmosfera podem chegar a 30%. Por esta razão, não é uma solução sustentável, que garanta energia verde.
Hidrogénio Verde
Produzido a partir de eletricidade renovável, sem quaisquer emissões associadas, já tem um custo médio inferior a 10 euros por kg, ainda assim, elevado para motivar a massificação da distribuição e atrair consumidores. A produção mundial de hidrogénio verde está agora a começar a crescer, com projetos a desenvolverem-se nos próximos anos.
Falta encontrar o ponto de equilíbrio que permita baixar os custos de produção e assegurar também uma rede de distribuição do combustível. Em Portugal, existem vários projetos industriais para dinamizar o hidrogénio verde, bem como uma estratégia para o hidrogénio definida pelo Governo. Um dos objetivos é a instalação de entre 50 e 100 postos de abastecimento de hidrogénio abertos ao público até 2030.
Vantagens e desvantagens dos carros a hidrogénio
Enquanto os carros a combustão emitem gases poluentes, os carros movidos a hidrogénio libertam apenas água, tão segura que até poderia ser bebida. Desta forma, tal como os veículos elétricos, os carros a hidrogénio podem circular sem quaisquer emissões poluentes.
Outro trunfo destes veículos está na autonomia. O depósito de H2 de um carro permite percorrer mais de 600 km, acima da maioria dos BEV, e estão já em testes veículos com capacidade de percorrer 1 000 km.
Mas existem ainda outros benefícios - e também alguns desafios. Deixamos uma lista resumida para ambos os casos mais abaixo.
Vantagens
- Maior autonomia
- Abastecimento rápido
- Sem emissões e ruído
- Menos peso
- Velocidade não afeta muito os consumos
- Melhor funcionamento no frio
- Bom para zonas remotas
Desvantagens
- Pouca oferta de carros, a preços elevados
- Rede de abastecimento por desenvolver
- Transporte e armazenamento do hidrogénio mais complexo e caro
- Custos de produção ainda elevados
- Hidrogénio verde com produção reduzida
- Hidrogénio sem ser verde polui bastante
Vantagens e desvantagens dos carros a hidrogénio
Na expansão da mobilidade elétrica, há utilizações que requerem uma autonomia maior ou disponibilidade constante de energia.
Os camiões de longas distâncias - bem como os transportes marítimos, ferroviários ou aéreos - são aqueles onde o hidrogénio tem maior potencial de penetração. Além de dispensarem o ‘peso extra’ das baterias, os veículos a hidrogénio não estão tão sujeitos aos efeitos da temperatura como os BEV, cujas baterias perdem autonomia nos climas mais frios.
Nos carros particulares, o apelo do hidrogénio dependerá da oferta disponível e da possibilidade de abastecer um carro facilmente. Um Toyota Mirai consegue percorrer 650 km com cerca de 5,5 kg de hidrogénio, o que já coloca esse custo praticamente em linha com os combustíveis fósseis. Precisa é de ter onde abastecer, uma vez que para um carro elétrico a baterias, seja na garagem ou na via pública, já é fácil ter um posto de carregamento. Esta ainda não é a realidade para o hidrogénio. Mas o futuro também já não está assim tão longínquo.
Também no domínio da tecnologia, há inovações que podem facilitar o alargamento do hidrogénio na mobilidade. Tal como existem veículos híbridos e PHEV que combinam o motor a gasolina ou diesel com um motor elétrico, os carros hidrogénio podem ter essa combinação, duplamente sustentável. A Renault apresentou em outubro um concept, o Emblème, que além das baterias recarregáveis com autonomia de 350 km, junta um depósito de hidrogénio e fuel cells para deslocações ainda mais longas sem carregamento elétrico.
Seja como for, a mobilidade elétrica é o destino certo, com os carros a hidrogénio a apresentarem-se como um novo caminho para acelerar a transição energética e chegar à condução 100% verde.