Parece um contrassenso, mas defender a redução do consumo e a reutilização ou partilha de bens pode ser um bom negócio para as empresas. Conheça os benefícios e oportunidades da Economia Circular.
Consumimos mais recursos do que aqueles que existem no mundo e acumulamos resíduos que não conseguimos recuperar ou reaproveitar. A continuidade do modelo económico linear levaria a que precisássemos dos recursos de três planetas Terra para assegurar o consumo humano em 2050. A solução está na Economia Circular, um modelo económico que tenta equilibrar a necessidade de recursos e a criação de resíduos.
O que são a Economia Linear e Circular?
Uma Economia Linear, ainda presente em muitos países e sectores, centra-se na extração das matérias-primas, a produção de bens, o consumo, e a gestão dos resíduos no final. O foco do negócio está na constante extração dos recursos, para manter o fluxo da produção e consumo de bens, com enorme impacto no ambiente a todos os níveis.
Diretamente ligada à sustentabilidade, à proteção do ambiente e ao combate às alterações climáticas, a Economia Circular procura aplicar essas metas no ciclo de todo o tipo de produtos, seja ao nível dos cidadãos, seja das empresas e indústrias. Mais do que promover a produção e o consumo, a Economia Circular promove a continuidade do ciclo de vida de um artigo, que pode ser partilhado, reparado, revendido, refabricado, reutilizado e, muito muito mais tarde do que seria suposto, chega à reciclagem.
1. Extração de matérias primas
2. Design
3. Produção
4. Consumo
5. Manutenção e reparação
6. Reutilização
7. Reciclagem ou tratamento para descarte consciente
Como funciona a Economia Circular?
As matérias-primas e os recursos naturais serão sempre necessários para a indústria, para a produção de todo o tipo de bens. Também a produção de resíduos e desperdícios é uma consequência inevitável na maioria dos sectores. A evolução para uma Economia Circular passa por adiar ao máximo a geração de desperdício, prolongar a utilização de um artigo ou dos seus componentes, permitindo baixar as emissões carbónicas. Na Economia Circular, a reciclagem, apesar dos aspetos positivos, é um último recurso, uma vez que o próprio transporte e transformação de resíduos tem custos ambientais.
A Economia Circular começa no próprio desenvolvimento de novos produtos e na forma como são apresentados ou embalados. A eco-eficiência pode atingir-se nos materiais escolhidos (reciclados e recicláveis) logo na fase de design. O Circo Hub, por exemplo, - dinamizado em Portugal pelo Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia (LNEG) - é uma opção para as empresas terem uma melhor capacitação para o design focado na Economia Circular.
Garantir uma maior durabilidade dos produtos e facilitar a desmontagem, reparação ou reutilização posterior também ajuda a combater a obsolescência, muitas vezes ainda ‘prevista’ pelas empresas, de forma a incentivar novo consumo.
Princípios da Economia Circular:
1. Eliminar resíduos e poluição desde o início da cadeia produtiva;
2. Manter produtos e materiais em uso;
3. Regenerar sistemas naturais.
A transição para uma Economia Circular altera profundamente a forma como é visto e usado um produto ou serviço, prolongando o seu tempo de vida ou dando-lhe uma nova utilização depois de cumprido o papel principal.
Por outro lado, a gestão e reaproveitamento da água ou da energia e a utilização de substâncias menos nocivas também fazem parte do pano de fundo de preocupação com o meio ambiente. A aposta em energias limpas é essencial para a Economia Circular.
Como são os modelos de negócios de Economia Circular?
Há duas formas de ver o investimento na Economia Circular. Por um lado, as empresas que adaptam a sua atividade, ou parte dela, à circularidade, tentando criar valor. Por outro, os projetos e negócios inovadores que tiram partido de uma matéria-prima, principalmente um desperdício, e a transformam em algo novo.
Às vezes basta ter uma ideia de negócio baseada num resíduo ou subproduto e procurar um parceiro industrial que tenha essa ‘matéria-prima’. A Nãm, por exemplo, produz cogumelos e fertilizante natural bem no centro de Lisboa, com borras de café recolhidas pela Delta junto de clientes da restauração.
O mesmo acontece na área têxtil com a Puranna Eco, que cria roupa de cama e de mesa a partir de restos de tecidos de fábricas (em inglês, utiliza-se o termo deadstock), que seria incinerado ou usado para enchimento.
Que estratégias usar na Economia Circular?
Aumentar o tempo de vida de um produto e, por consequência, reduzir as vendas, abre a porta ao regresso de conceitos que estavam quase em desuso, como a reparação de bens. Várias estratégias de negócio podem ser seguidas em Economia Circular, tanto pelo produtor inicial como por outras empresas que entram no mercado:
- Extensão de vida. Assegurar a manutenção, disponibilizar peças e acessórios que aumentem o tempo de utilização de um bem. Isso pode ser posto em prática no momento de venda, através de contratos de manutenção ou consultoria.
- Segunda vida. Apostar na venda em segunda mão, quer de produtos que praticamente não precisam de alterações (como roupa e acessórios), quer de produtos que podem ser recuperados para garantir valor, como telemóveis e outros produtos tecnológicos.
- Nova vida diferente. Quase no terreno da reciclagem, trata-se de dar uma utilização diferente a produtos e materiais, com mais ou menos alterações. Desde a produção de fertilizante através de resíduos alimentares, ao aproveitamento de excedentes ou produtos menos adequados, como as empresas agrícolas que aproveitam a fruta e legumes para os sumos, compotas ou sopas, de forma a rentabilizar a produção.
Conhece os ‘produtos como serviço’?
Na Economia Circular, a propriedade deixa de ser privilegiada, dá lugar à partilha. Isso já é notório na mobilidade, como a utilização de trotinetas, bicicletas ou automóveis, e sê-lo-à cada vez mais em todo o tipo de sectores.
Claro que os consumidores vão continuar a comprar roupa ou comida, mas há produtos cuja propriedade dispensamos, desde o telemóvel que poderá ser recondicionado ao fim de algum tempo, à iluminação das instalações. O aeroporto de Amesterdão, por exemplo, não compra luzes para algumas zonas - paga ao fabricante pela sua utilização. O mesmo com os milhares de ecrãs de informação aos passageiros de Schiphol.
A disponibilização de ‘produtos como serviço’ pode estar orientada para a utilização, como o aluguer de ferramentas para realizar uma atividade ocasional; ou para o resultado, em que o custo engloba todos os fatores. Neste segundo caso, recuperando o exemplo de Amesterdão, cabe ao fabricante das luzes procurar formas de reduzir a manutenção e de encontrar valor na reciclagem dos materiais, para baixar também os custos a pagar pelo aeroporto.
Desafios da Economia Circular tornam-se benefícios e impactos
A transição para a Economia Circular será um passo necessário, mas difícil, para muitas empresas. Os compromissos e novas regulamentações relacionadas com o ambiente são apenas alguns dos desafios, que passam também pelo perfil ‘clássico’ de algumas empresas ou gestores, e pela própria adaptação desses negócios a novas tecnologias.
A circularidade não está apenas nos produtos ou serviços fornecidos, está em toda a estruturação de uma empresa.
Eliminação de desperdícios e aumento da rentabilidade; redução de custos; valorização da marca no mercado e internamente; novos modelos de negócio; novos produtos; e mais criatividade são alguns dos efeitos positivos da Economia Circular numa empresa ou num sector. E as formas de o conseguir são mais fáceis do que possa parecer:
- Co-work. A partilha de espaços não tem de ser um exclusivo de start-ups a dar os primeiros passos. Empresas sólidas têm a ganhar em ambientes multifuncionais e multi sectoriais. Pela redução de despesas, mas também pela troca colaborativa de ideias.
- Digitalização. Reduzir a utilização de papel e apostar nos meios digitais é uma estratégia de gestão de custos com impacto positivo no ambiente.
- Otimização de materiais. Procurar aproveitar ao máximo a matéria-prima usada, e encontrar novas formas de utilizar o que sobra. Desfazer-se de resíduos é um custo e um problema para uma empresa, mas também pode tornar-se numa oportunidade para um novo negócio, ou ajudar outra empresa que esteja precisamente a trabalhar com base nesses desperdícios.
- Aposta virtual. Os negócios são cada vez mais digitais, o que não significa perda de contacto direto com os clientes. Pelo contrário, os canais de vendas da internet e as redes sociais ajudam muitas vezes a que as empresas cheguem ao cliente certo ou que os consumidores encontrem precisamente o que procuram com maior facilidade.
- Sinergias. Nunca é demais insistir na partilha como reforço da circularidade. As sinergias podem ser conseguidas em várias áreas, desde a distribuição e transporte à gestão comum de água e energia num mesmo parque industrial. Sem esquecer a procura de parceiros dentro de uma mesma comunidade ou região, tanto para fortalecer a economia local como para reduzir os custos ou a poluição associada ao trabalho com materiais ou empresas distantes.
Como está a Economia Circular em Portugal e na Europa?
Apesar de atualmente apenas 12% dos recursos e materiais serem reintroduzidos na economia europeia, segundo dados da UE, essa percentagem terá de aumentar. Seja por força das mudanças no mercado ou através de regulação para incentivar a Economia Circular, é uma das áreas-chave para atingir a neutralidade carbónica e minimizar os efeitos das alterações climáticas.
Segundo um relatório recente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), a aposta na Economia Circular pode levar a uma redução de custos de 8% por parte das empresas europeias até 2030. E a transição para modelos económicos mais sustentáveis pode mesmo levar à criação de 600 mil empregos na Europa, segundo o mesmo documento.
Em Portugal, depois da execução do Plano de Ação para a Economia Circular 2017-2020 - que incluiu vários incentivos para as empresas apostarem em novos modelos de negócios -, aguarda-se pelo lançamento de uma nova estratégia nacional relacionada com a Economia Circular. O IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação - é a entidade pública que concentra os apoios às empresas relacionados com a Economia Circular.
Um estudo recente, promovido pela CIP - Confederação Empresarial de Portugal - concluiu que 40% das empresas contactadas veem na legislação um dos principais obstáculos à Economia Circular. Mas 97% das respostas vão no sentido de haver vantagens competitivas numa abordagem de negócio alinhada com a circularidade,
Já na Europa, foi aprovado em 2020 um novo plano de ação pela Comissão Europeia - do qual o Governo português pode vir a beber influência, bem como os empresários ou empreendedores que queiram apostar na Economia Circular. O novo documento europeu centra-se em quatro vetores:
1. Fazer dos produtos sustentáveis norma, restringindo ainda mais os de ‘utilização única’;
2. Capacitar os consumidores, através da melhoria da informação sobre a durabilidade e a possibilidade de reparação de produtos;
3. Concentrar a ação nos sectores que consomem mais recursos naturais:
- Eletrónica e TIC
- Baterias de veículos
- Embalagens e plásticos
- Têxteis
- Construção
- Alimentação
4. Garantir a diminuição de resíduos e apostar neles para a produção de ‘matérias-primas secundárias’.
A Economia Circular deve estar na estratégia de qualquer empresa, seja um negócio a nascer ou uma grande companhia ou indústria. Paralelamente - ou como aposta integrada e transversal de eficiência -, a mobilidade elétrica e a aposta tanto no consumo de energia verde como na sua produção, nomeadamente a energia solar são caminhos seguros para o sucesso empresarial sustentável.
Mais do que uma necessidade ou uma obrigação, os modelos de Economia Circular podem ser uma oportunidade para aumentar o sucesso e os negócios de uma empresa. É uma questão de encontrar a matéria-prima, o produto ou o parceiro certo, e fazer as ideias circular.